Relatos e a impressão sobre o mundial em Piedrahita na Espanha by Oly Faissol
Caríssimos… Conheci tanto o Eitel como o Tato… Batemos muitos pegas e tomamos muitas cervas ao lado da churrasqueira… Quando recebi a notícia estava numa reunião de trabalho e senti náusea… O pior é que tive que seguir falando de temas de trabalho como se nada tivesse acontecido…. Nosso esporte é belíssimo e filho da puta ao mesmo tempo… E a vida fragilíssima… Ambos pilotos eram muito competentes e tinham as letras para serem selecionados entre os primeiros 50 de qualquer evento de Copa do Mundo, campeões nacionais muitas vezes, Tato era instrutor e fazia duplos em Mendoza, onde nos conhecemos… Marinho e Emília devem se lembrar da figura. Eitel esteve em Brasília e chegou na Esplanada voando, maravilhado… No vôo de sábado não consegui parar de pensar nos dois… Então o argumento de que Copa do Mundo é Copa do Mundo e Mundial Mundial não se aplica inteiramente… O Stephan Schmoker que morreu no Mundial do México era piloto de testes da Advance… Embora eu tenha sido (e continue sendo, respteitadas algumas premissas) um árduo defensor da “Open Class”, admito que a FAI tomou a decisão certa ao parar o Mundial… Por outro lado, acredito que o fator competição contribuiu mais para as mortes do que o fator vela… Não tenho a certeza de que restringir os Mundiais a EN-D reduzirá o número de fatalidades… Esperemos que sim… Esta semana, no entanto, foi um divisor de águas. Primeiro, pelas fatalidades, e segundo pela morte de Xavier Murillo no Peru, que sempre foi a locomotiva do PWC… Com sua morte, a menos que alguém com a mesma energia e competência assuma a PWCA, o futuro das velas de competição é uma incógnita… O que é uma pena, pois acredito de verdade que as velas de duas linhas são um avanço no que diz respeito à segurança. O problema é que a competição é pela própria natureza uma instância onde a ambição (que, dosada, é positiva) é levada a extremos que deixam de ser saudáveis… Alguns pilotos sabem dosar essa ambição, ou com habilidade exímia ou com prudência… Mas mesmo nos casos em que se controla a sede de vitória podem haver os chamados “freak results”, quando o (quase) inexplicável ocorre – estar no lugar errado na hora errada… Embora a maioria dos acidentes possam ser efetivamente explicados, também acredito em sorte e azar. Qualquer piloto que passou apertos sabe do que estou falando… Claro que fora das competições tampouco estamos imunes. Na semana passada, passei um aperto num rotor na serra do Maranhão, e minhas pernas começaram a tremer invountariamente… Óbvio que estava em uma situação delicada. E me coloquei nessa situação sem estar competindo… Mas as maiores merdas que fiz foram sem dúvida durante competições… Lembro de um dia em Castejón de Sos em que estava entrando uma tempestade no vale e tinha que fazer uma baliza contra vento para voltar no caudal para o gol. Já chovia e tomei uma feia no Edge, que saiu com uma gravata que não conseguia tirar… Voltei no caudal para o goal com a gravata só para fechar a prova. Desnecessário dizer que já teria pousado há séculos se estivesse voando livre. Vão dizer que não, que independentemente da situação o nível de prudência deve ser o mesmo… Isso, na prática, acaba não funcionando na maioria dos casos… Eu desconfiava que alguma merda pudesse acontecer no Mundial de Piedrahita por conta do limite de 3000m imposto pela TMA Barajas (aeroporto de Madri). Já havia relatos em blogs de pilotos fazendo full stall e de outros acelerando 100% para não romper a restrição e zerar a prova. No primeiro dia, 1 de cada 5 pilotos zerou a prova por romper os 3000m. As merdas ocorrerram em outras circunstâncias. Mas não duvido que desse merda pelo anterior motivo se a competição tivesse seguido. No ano passado, peguei um dia de teto de 4500m em Piedrahita em que, juntamente com outros 50 parapentes, fui obrigado a fazer espirais em turbulência para não romper o limite… Foi uma experiência desagradabilíssima, que acabou sendo um dos fatores que me influenciou a parar de competir. Os parapentes de duas linhas já não descem bem em ar calmo, imagina numa convergência com termais de 7!… Creio que as competições “Open Class” devem seguir no âmbito do PWC, com um critério de seleção mais rígido. Mas isto não é garantia de ausência de fatalidades. E passar o Mundial para EN-D tampouco… Passei mais perrengues voando competições de Omega 7 do que em 250 horas de R10 voando XC… Em Piedrahita, em 2007, tomei um front tão grande no rotor que quando reabriu passei raspando a bunda nos pinheiros… Menor performance também pode siginificar maiores apertos, porque as transições críticas são mais difíceis de completar. E aí, meu nego, Vc ficou baixo num rotor… Fizeram uma vez um teste com motoristas de taxi com e sem freio ABS… Os que tinham ABS se julgaram imunes e tiveram um índice maior de acidentes. Quero crer que as medidas da FAI reduzirão os acidentes, até porque muitas vezes não levamos em conta quem também está envolvido nas competições: as famílias… Devemos algum grau de auto-contenção a essas pessoas… Mas não estou seguro de que os acidentes se reduzirão… É isso, galera, vamos voar seguro nesta temporada, pensando em nossas famílias e em prolongar ao máximo nossos anos de vida e de vôos… Abraço, Oly