Colisão e 2 reservas acionados by Sérgio Rocha
Sep 17, 2012
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Na 2a feira, segundo dia de prova, a térmica de serviço na cara da rampa estava especialmente turbulenta, um bom grupo de pilotos decolou e colocamos para cima nela, a certa altura estávamos em uma boa quantidade de pilotos espacialmente espalhados, a térmica era grande e a turbulência forte ninguém queria ficar muito próximo um do outro, um amigo piloto do Paraná abriu demais a curva escorregou da térmica a uns 100 m a minha frente, a descendente que pegou foi forte, não tenho filmagem, mas me recordo de um front com o meio da vela retrocedendo batendo as pontas na frente e ele estolando e pendulando, estava chacoalhado e dava impressão que os pêndulos eram aumentados pelo comandos alternados mas a vela mantinha-se em perdida como dizem os espanhóis! Hei, quem já fez full com o braço abaixo do assento sabe que balança mesmo e que é difícil manter esse comando, até que o piloto em questão tomou a decisão pelo reserva, assisti tudo de camarote e depois que vi o reserva dele aberto e baixando normalmente voltei atenção para o meu voo novamente e depois soube que felizmente os prejuízos foram mínimos. Assim começou a prova desse dia, o start ainda estava longe e o dia seria longo e especial para mim… A prova tinha 86km e a condição não era tão boa quanto no dia anterior em que fizemos uma prova menor, a prova havia sido solta um pouco mais cedo e a condição estava mais falhada, nada grave cordilheira e flat funcionavam mas todos estavam mais agressivos que no dia anterior que foi o dia de abertura. O teto estava alto mas adotei 2900m como altura para deixar a térmica e tirava com 80% do acelerador e fiquei para trás logo no início tinha piloto bem mais agressivo tirando bem mais baixo e com 100% nas transições, sangue no zoio mesmo!!! O evento prometia e realmente foi especial em termos de condição de voo!! Não só isso, agradeço aos amigos de Araxá, estava muito bom!! Mesmo atrasado a prova toda acontecendo no meu visual! A cerca de 13km do goal com vento de través pela direita encontrei a térmica que deveria ser a última, birutada por dois urubus subindo em faca, cheguei sozinho nela e subi rápido, um grupo subia mais lento em uma térmica na linha dessa só que a minha esquerda, o cpilot avisou que já tinha altura para partir para o goal, eu dei mais três voltas porque achei aquele apito precoce pela análise visual e então parti, naquele instante tive a impressão que a altura do waypoint poderia estar errada e eu não chegaria e lembrei-me que havia mudado a polar no cpilot o que poderia gerar erro também… No entanto fui, era uma tirada de través então a 300m horizontais do end off speed eu estava baixo e a chegada no goal 2km para dentro estava comprometida no meu visual, mesmo o cpilot dizendo que dava e sobraria 200m, daí tive certeza ou a minha polar tava errada ou a altura do waypoint estava, pois eu tinha cerca de 200m de altura nesse ponto e faltava pouco mais de 2km, tirei o pé do full speed e encontrei a térmica pipocando mas sem desprender-se ainda, eu não precisava ganhar muito, mapeei a área sozinho em 3 voltas subindo pouco e então o outro pelotão começou a chegar, decidi dar mais umas duas voltas naquele pipoco e tirar, estava girando a direita e já havia mapeado as bordas descendentes no cpilot. Nesse instante próximo a borda que eu havia mapeado enquanto eu dava um giro aberto um piloto vem pela direita me espalhando na curva, e gritando para me avisar que estava ali, preguejei pensando que ele deveria estar atrás ou na frente, mas não me espalhando pelo lado de dentro da curva, interrompo minha curva nesse momento, pendulo ao fazer isso, ele mantém a trajetória em linha reta para nossa frente e ficamos bem próximos, não abri para a esquerda, segui reto com ele pois queria voltar para o meu giro a direita, segurei um pouco para ele passar a frente e eu cortar por trás pois eu sabia que cairíamos do pipoco logo adiante eu já havia passado por lá a pouco… Já no instante que interrompi minha curva a direita e segui reto com o piloto eu tinha visto ao longe vindo pela esquerda outro piloto, cerca de uns 100m horizontais como se tivesse vindo do end, estava em uma trajetória que cruzaria a nossa se fosse mantida, pensei comigo, “esse foi mais esperto, foi lá bateu o end e voltou aqui para garantir e chegar mais folgado, ainda mais conosco aqui marcando, não vou dar duas voltas não, vou terminar essa e vazo daqui…” enquanto isso o piloto da direita segue retilineamente me impedindo de girar cerca de 3m na frente e à minha direita e então começa a afundar, pensei cá comigo, “viu eu sabia que aí ia descer, não leu meu pensamento” enquanto isso na esquerda o piloto mantinha sua trajetória de colisão, mas ele vinha de longe, raciocinei “ele tem que ter nos visto” e sigo com o plano de cortar por dentro vigiando o espaço que vai se abrir à minha direita e seguidamente olho estranhando a trajetória do piloto da esquerda mas acreditando que ele está consciente do que está fazendo! Mantive essa crença até o último instante, até o choque ser inevitável, e só no último mesmo o piloto da esquerda dá comando forte para a esquerda dele (a esquerda dele era toda livre) e eu a essa altura não posso desviar para a direita pois o espaço estava ocupado pelo outro parapente e para esquerda o choque seria frontal, então só seguro um pouco a vela, por muito pouco não foi um choque triplo… Com o comando e o pêndulo do piloto vejo o fundo da selete dele atingir minhas linhas a uns 2 m acima da minha cabeça nesse instante só o que pude fazer foi esperar uma configuração que eu conhecesse, pois tinha alguém no meio das minhas linhas e minha selete pulava… Conversei com quem viu o acidente de cima e concordamos nessa descrição. A partir daí fica tudo rápido demais, sinto o tranco nas minhas linhas e não vejo mais nada fiquei sabendo depois que ele aciona o reserva rápido, enquanto isso eu estava absorvendo o impacto nas minhas linhas e selete, no instante seguinte minha selete capota de ponta cabeça e se alinha novamente justo antes de eu sentir o alívio nas linhas julguei então que tivemos alguns instantes conectados e naquele instante nos desconectávamos, então pensei “opa nos soltamos!!” fiquei feliz por um instante e procurei a vela pensando em recuperar o voo, na minha cabeça ainda tinha altura para isso e como fiz um tempo de acro pensei em resetar a vela e voltar ao jogo, reserva só como último recurso! Achei a vela, meia vela aberta e o lado esquerdo panejando, penso em interromper a centrífuga que começava a se configurar, pois não havia twist, os dois comandos em mãos mas só aí que finalmente entendi a meia vela direita aberta e eu não estar em twist!!! O batoque esquerdo sem peso nenhum na minha mão estava solto! Todas as linhas da esquerda se partiram, eu já iniciava a segunda volta centrifugada só seguro por menos que meio set de linhas, então procuro um espaço vazio com os olhos enquanto a mão direita encontra a alça do reserva, obrigado fabricantes de selete a alça é perfeitamente colocada, se eu tivesse que tatear onde fica a alça essa história aqui seria outra!!! O reserva sai amanteigado, o sistema de fechamento dele é de ziper e desde que eu o vi sete voos antes eu desconfiava, mas funcionou muito bem esse sistema usado na drifter da niviuk que é a minha selete. O reserva abriu rápido, um airwave até 130kg e eu estava voando com 101kg, pensei que cairia devagar, mas a taxa me assustou um pouco, é meu terceiro lançamento de reserva e na hora pensei “ué com reserva menor das outras vezes eu descia mais devagar!!” nesse momento lembrei do vídeo do reserva do meu amigo Daniel e pensei, “minha go pro está aqui atrás na selete”, teria sido um vídeo interessante. Meu capacete se prendeu entre as alças do bridle enquanto o reserva atuava, isso me deixava quase pendurado pela cabeça e a selete nos ombros, lembrei de uma descrição desse momento feita pelo Olympio!! Pessoal, capacete não pode ter penduricalho de go pro do lado ou algo de vizeira mais proeminente, na hora de sacar do abraço do bridle o negócio fica feio! Obrigado liga e abvl, meu capacete anterior tinha penduricalho de go pro dos lado e em cima e esse meu novo homologado não… Livrei o capacete do abraço do bridle fazendo um baita esforço com o pescoço e puxando o tirante como apoio, minha vela penejava na frente. Minha cervical e a musculatura das costas ainda doem mesmo uma semana após, ou seja hoje! Livre, olhei para ver a altura que me encontrava e tentei recolher o parapente mas já estava baixo e caindo rápido então desisti de recolher ele não estava brigando com meu reserva, livrei os pé da carenagem e vislumbrei a região que cairia. Haviam fios de luz correndo entre dois postes ao longo da deriva do vento que eu seguia e uma árvore de uns 4m de altura distante cerca de 3 m do fio e eu por sobre o fio derivando ao longo dele. Engraçado como funciona nossa cabeça nesses momentos, tive tempo de lembrar do grito do Daniel no vídeo “não, na água não!” e pensei “não Deus, no fio e na árvore não, por favor”… Pensei que teria que empurrar os fios com os pés mas não foi preciso, passei “longe”, ao alcance do meu braço esticado, felizmente vela e reserva caem para o lado oposto ao fio… Na aterragem rolei para trás, estava com a boca entreaberta, isso foi um erro e mordi a lateral da lingua no chicote do pescoço no final do rolamento, toquei o solo forte com os pés mas o giro para trás foi feito corretamente, desta vez não projetei os braços para trás como anos antes em Tangará, lá esse erro me rendeu o punho esquerdo quebrado e muito tempo sem voar… Me lembro de após o rolamento ter ficado feliz por não ter ouvido aquele barulho das vértebras da coluna se comprimindo, numa sucessão de estalos para se acomodar, quando o impacto as comprime dá para ouvir e já tive o desprazer de ouvir isso… Mas não dessa vez, meu eixo principal estava intacto, me apressei em levantar por conta disso, a boca estava seca, mas me lembrava de estar seca desde antes da tirada final e que eu não havia bebido água para não deixar os comandos com full speed e tão perto do goal, então bebi água sem dor na consciência por alguma hemorragia, nada doia muito, exceto a cervical, a sensibilidade nas extremidades estava ok. Terminado o auto exame olhei o fio praticamente acima da minha cabeça, a árvore formando uma esquina com o fio onde eu estava e a vela caída na direção oposta do fio, agradeci ao meu anjo da guarda e pensei, “bem na encruzilhada, heim!! Corri os olhos pelo campo procurando o outro piloto para ver se estava ok, fui até o velame, e meio que repolhei para os outros pilotos no céu verem um movimento e não se preocuparem… Confesso que voei com o rádio desligado para me concentrar mais, liguei o rádio na frequência de emergência e avisei que estava tudo bem e perguntei sobre o outro piloto. Ainda meio leso, notei que mesmo repolhando, a vela ainda estava aberta, então pensei, “ué, minha vela partiu no meio”, mas era muito pano para uma única vela, só então notei que eram as duas velas que eu havia trazido para baixo, mesmo modelo de mesma cor inclusive, as minhas linhas cortaram completamente as da outra vela… O amigo Hércules vinha pousando para me ajudar, depois o Rafael e o Érico, agradeço a todos, então com eles no chão uma térmica desprendeu por perto e inflou meu reserva, só aí notei uns 2m acima do bridle um bolo de linhas de algum paraca fazendo uma maria chiquinha nas linhas do meu reserva mantendo elas juntas, ou seja ele não abriu todo!!! As linhas laçadas nesse ponto o impediram de completar a abertura, se essa laçada fosse um pouco para cima não sei se ele abriria… Mostrei a laçada para o Rafa e falei com o meu anjo novamente, “obrigado, tô entendendo!! Tudo sobre controle né, mas não sobre o meu controle, olha isso aqui!!!!”. Marcelo Almeida e a equipe de resgate chegaram rápido e me examinaram, a ficha de tudo finalmente começava a cair, me sentia mal mas estava fisicamente bem, e preocupado com o outro piloto que não respondia no rádio e havia caído no meio do cafezal, me examinaram e só daí o resgate foi buscar o outro piloto. Comecei a dobrar as velas e verificar o estrago, fiquei triste e praguejei pois no outro dia não teria voo para mim, mas a ficha caiu rápido, “ora essa, depois do que aconteceu hoje não tenho problemas, e se tenho todos eles são bem pequenos, tudo podia ter dado muito errado aqui mas deu tudo certo e tô vivo e ileso e vou precisar no máximo de um relaxante muscular, valeu meu brother, agora entendi! … O outro amigo piloto estava bem, felizmente! Somos todos amigos dos campeonatos em MG e os prejuízos foram pequenos perto do que poderia ter ocorrido mas as lições gigantes! Agora mais tarde posso analisar com mais cuidado e é interessante deixar um alerta! Colisões no ar no nosso esporte se dão porque por instantes desviamos a atenção para o equipamento eletrônico e não vigiamos as trajetórias dos outros e por instantes “voamos por instrumentos”, em térmicas pipocando baixo esse é um procedimento cada vez mais comum, vigiar os eletrônicos, equipamentos com bolinha, tracking colorido, com uma seta apontando a melhor região de subida, todos os tipos estão largamente difundidos entre competidores e voadores de final de semana pois hoje são bem mais acessíveis que a 2 ou 3 anos atrás!! Colisões como essa que até então eram bem raras são passíveis de ocorrerem com mais frequência e deu para notar pela minha história “a quantidade de sorte” que tem que ter para o final ser feliz!!… Sei da atração que temos por eletrônicos, voo com o cpilot desde o lançamento deste e antes dele voava com o compeo do primeiro lote que chegou ao Brasil e sempre os usei para leitura de muitos campos e mapeamento de térmicas principalmente as fracas para melhor centrar. Em uma conta de 2o grau dá para estimar que você perde 1 segundo para olhar a altura, distância do raio e melhor ponto da térmica e somando a isso um bom tempo de reação de 0,2 segundos, então são utilizados cerca 1,2 segundos para você, com o seu parapente na melhor taxa de queda voando a cerca de 35km/h, percorrer 12m horizontais mantendo a trajetória enquanto olha e interpreta os seus instrumentos. A esses 12 m temos que somar o espaço necessário para girar uma vela de 7m de comprimento por exemplo, ou seja toda essa história só para dizer que se um parapente está em rota de colisão com outro com o piloto dando uma espiada nos eletrônicos então 20 a 25 m de distância já é limite pré-colisão!!!!… E todo mundo sabe o quanto voamos colados e terceirizamos nossa segurança acreditando que todo mundo tá cuidando de todo mundo, só quero alertar que nossas distâncias relativas tem que ser maiores pois hoje todo mundo tem um integrado no porta instrumentos, as vezes até dois integrados, um luxo ter um backup desses mas imagine o tempo para olhar e processar tanta informação… Bom todos inteiros e felizes, desculpem o longo texto, mas quem chegou ao final pôde tirar boas lições… Abrass e até o próximo evento! Sérgio Rocha (meus amigos tão pensando em mudar de Sérgio Batoque para Sérgio Cerol…)