Impressões da nova vela TALA da BGD by Lucas Machado
Tala da BGD – Primeiras Impressões… Recebi meu Tala numa mochila interessantemente leve, compacta, confortável, funcional e colorida. Depois de um breve voo de check, chegou o dia de voar em um céu grande (grande demais, devo confessar)… Uma breve inspeção na vela aberta e já se notam alguns diferenciais, a começar pelos tirantes, meticulosamente projetados. De acabamento cuidadoso, possui imãs que prendem os batoques, poderosos a ponto manterem um tirante unido ao outro. Destorcedores de linhas no batoque, com uma proteção reforçada na região do nó, garantem praticidade e segurança. O sistema de aceleração é inédito e complexo demais para ser detalhado apenas neste relato, destacando-se dois pequenos tirantes que possuem linhas distintas: um só para a última linha do A (para fechar as orelhas e ajustar o ângulo de ataque das pontas quando acelerado) e outro só para a última linha do C (para otimizar o washout das pontas em velocidade acelerada).
Todas as linhas são microlinhas desencapadas. Existem três linhas em cada um dos três tirantes, que se bifurcam apenas uma única vez próximo à vela, ou seja, não há um “pé de galinha” tal como conhecemos. Apenas as linhas de fora do A possuem duas bifurcações, para tornar o fechamento das orelhas mais eficaz. Isto resultou em apenas 24 pontos de inserção de linhas em cada lado do velame e em 230 metros de linhas no total, um consumo mais próximo de uma vela com dois tirantes… Chegamos ao velame. Aqui é onde a mágica realmente acontece. Nota-se, de cara, um grande alongamento e um acabamento impecável. A vela é leve, sem ter sido feita com nenhum material leve (de baixa gramatura e pouco durável). Isto é devido ao pequeno número de células e à simplicidade da estrutura interna. Não há talas extras no Tala, que não aquelas nas paredes superiores de cada célula. E como são poucas as células e a estrutura interna é brilhantemente simples, a vela pesa apenas 4,9 kg. Voei com 90kg no tamanho M (80 a 100), sendo que na configuração com a vela anterior voava com 93kg. Acredito que a carga alar ideal para se voar o Tala M na pancadaria da Moeda esteja em torno de 95kg (3,8kg/m2)… Sobre o número de células: O Tala tem apenas 50 células, o que já é algo inovador para uma vela com 6,3 de alongamento. Uma vela com este alongamento tem habitualmente de 60 a 75 células. Mais uma vez, isto só foi possível através da genialidade com que a estrutura interna foi elaborada… O maior legado do Tala, que certamente será adotado por outras fábricas, é uma nova maneira de se “shapear” os painéis do bordo de ataque, uma tecnologia que seu criador batizou de CCB (Cord Cut Billow), em que duas costuras próximas à parede das células impedem a formação de rugas, que prejudicam o escoamento do fluxo no bordo de ataque, o que é altamente deletério. O resultado é um perfil extremamente limpo e robusto, que salta aos olhos… O bordo de fuga também recebeu cuidados especiais em sua estrutura interna e no layout das linhas de freio, com reflexos diretos na pilotagem, como veremos mais adiante… Considero importante os detalhes no desenho de uma vela pelo reflexo que eles tem no seu comportamento em voo. Entendendo qual é a intenção do projetista ao escolher determinada solução ou ao criar algum elemento novo, entende-se melhor o que se espera da vela em voo, pois cada detalhe tem uma função específica e está presente por um certo motivo. Afinal, “quem não sabe o que procura, não entende o que encontra”. O modo como o Tala foi concebido é repleto de inovações, deixando-o com características de voo sem precedentes… Então vamos voar, pois é em voo que o pedigree do Tala se revela. A decolagem é simples e sem demandas. Sobe fácil e simétrico, sem tendências de atacar ou arrancar precocemente o piloto do chão. Tem-se a impressão que os freios vieram de fábrica com a regulagem um pouco longa, mas por um bom motivo. Nada que um ajuste na “memória muscular” ou uma volta nos batoques durante as enroscadas não resolva, já que qualquer atuação no bordo de fuga durante o voo acelerado deteriora sobremaneira o rendimento, um risco que se corre sempre que encurtamos os freios.
Pilotar o Tala é uma experiência difícil de descrever, dado o ineditismo das sensações que ele proporciona ao piloto. Nesta hora, tem-se a certeza de que essa história sobre o bordo de ataque singular, as poucas linhas, as grandes células e o bordo de fuga diferenciado faz toda a diferença e funciona incrivelmente. A fluidez com que o Tala “desliza” no ar é notável. Parece não haver arrasto algum. A surpresa foi tanta que fiquei olhando pra vela, tentando entender o que estava acontecendo. É a teoria funcionando na prática, concluí… Quem conhece a famosa e mais marcante característica das velas feitas pelo Bruce Goldsmith, que é o “handling”, ou o “jeito de se pilotar”, ficará feliz em saber que ela está de volta e em sua plenitude. A pilotagem do Tala é direta, precisa, progressiva, dinâmica e divertida. As curvas são coordenadas, podendo serem ajustadas tanto através dos freios, quanto pela selete. Aliás, a pilotagem pela selete é muito eficaz, sem que as turbulências sejam sentidas pelo piloto. Mais uma vez, podemos encontrar uma explicação para isto no projeto, que contemplou uma grande distância entre as linhas do meio e um formato original das paredes das células centrais, além das peculiaridades no bordo de fuga, como veremos a seguir… O bordo de fuga, quando atuado através dos freios, age como um perfeito aileron, chegando a ficar quase a 90 graus em relação ao fluxo, quando todo acionado; sem mudar a cambagem da vela, como costuma acontecer. Isto faz com que a velocidade seja facilmente convertida em altura, permitindo grandes ângulos de ataque, baixa velocidade de stall e um poderoso flare no pouso. O desenho das linhas do freio também permite uma atuação diferenciada, mais nas pontas, ou mais no meio ou em todo o bordo de fuga, dependendo da direção em que se traciona as linhas de freio. A maneira tradicional como pilotamos trás o melhor dos dois mundos, sem maiores preocupações, deixando estas sutilezas para os mais aficionados… O perfil escolhido como base para o desenho deixou o Tala resistente ao pitch, sem avançar demais nas turbulências, mas o bastante para atacar as térmicas, ficando clara sua vocação esportiva. Percebe-se a disposição do Tala em voar simplesmente levantando-se as mãos. A vela “salta” pra frente e lá permanece. Combinando esta característica com as dos freios, o exercício de pêndulo é um deleite… O voo acelerado é um capítulo à parte. O curso do acelerador é restrito devido à certificação desejada, mas é muito macio e eficiente. Devido ao desenho dos tirantes, é possível perceber a vela “torcendo” ao longo de sua envergadura e modificando todo o washout para se adequar à velocidade. O centro de gravidade de vela se desloca drasticamente pra frente, deixando os tirantes de trás quase sem carga. Para se pilotar nos tirantes traseiros com o acelerador acionado, devem ser incluídas na pegada as linhas do C das pontas, que estão em um tirante separado, o “baby C”. O Tala foi desenhado para se voar em velocidades extremas, tanto nas mais baixas, durante a aproximação ou as enroscadas; quanto nas mais elevadas, de mão alta ou acelerado.
Seu comportamento em condições severas se mostrou irrepreensível. Reagiu como se os CB’s ao redor não estivessem desafiando-o. Seguiu com sua fluidez inabalável. Enfrentou o vento de frente num longo planeio, entre rajadas e cisalhamentos, sem se alterar. Pousei suavemente, quase sem acreditar no que tinha acabado de experimentar. Definitivamente algo inédito… A aproximação foi feita com o “modo asa-delta ativado”, devido ao grande rendimento que apresentava. No pouso, dobrar uma vela com 50 células é cerca de 30% mais fácil do que uma de 70 células, por motivos matemáticos. Passados alguns minutos após o pouso, o céu desabou sobre o vale… O Tala é uma vela revolucionária em vários aspectos e foi feita com grande atenção em todos os detalhes, por um projetista que colocou seu próprio nome em sua nova marca. Um dia, todos os parapentes serão como o Tala…
Abs,
Lucas Machado