Quixadá by Boni
Olá amigos,
Diversos escritores, poetas, músicos, pintores, e artistas em geral já retrataram o Sertão em suas obras.
Sem ter a pretensão de um desses artistas, vou tentar passar aos amigos minha experiência no semiárido brasileiro. Porque de Árido o Sertão não tem nada. Ele é rico em aves, animais e vegetação de alto poder de regeneração. E sua mata de nome Caatinga é na verdade a palavra que traduz seu significado: “mata branca”.
Durante esses sete dias que estive por lá aprendi que a humildade lhe é ensinada à força. Se você não tem, vai aprender algo sobre isso por lá.
A pobreza estampada nas vestes e no rosto do povo sertanejo, muitas vezes esconde a beleza física e cultural daquelas pessoas. Não foram raros os casos onde pousei com minha Trapizonga voadora (o Paraglider) em um vilarejo humilde e encontrei verdadeiras Princesas de olhos azuis que fariam qualquer top-model brasileira quebrar seu espelho de inveja. Também não foram poucas às vezes em que me deparei em casas de barro com homens de vocabulário tão rico, que me deixaram a pensar se realmente o analfabeto não seria eu. Educação e generosidade; beleza e tradição; pobreza e riqueza espiritual; tradição e a modernidade. Como eu posso explicar ao Sertanejo que abandonando seu pobre animal à sorte da seca e trocando-o por uma motocicleta ele está entrando num ciclo sem fim de progresso duvidoso e viciante?
Também ouvi vocábulos locais difíceis de compreender como a frase: -“Ei Mã, deixe de botar boneco” … (traduzindo: Ei Macho, pare de fazer gracinha).
Como explicar ao Sertanejo que seu filho (um garoto com tendências homossexuais) não é doente?
Como recusar sem ofender, o pedido de um Pai, para que levasse sua filha (uma beldade de beleza ímpar) pra São Paulo?
Foi engraçado ver o amigo Carioca, Marcão, reclamar dos Hotéis que não tinham chuveiro elétrico. Ora, (disse-me o gerente) a água já desce quentinha o ano inteiro. Com a sabedoria do pensamento ambientalmente correto.
O Voo do Recorde:
Bom, acordei cedo, como de costume às cinco e meia da manhã. Como sou muito lento e preciso de uma rotina para não esquecer nada, me programo: acordar, guardar os equipamentos, escovar os dentes, tomar café, ir ao banheiro para o número 2, um banho, protetor solar, conferir tudo mais uma vez e pronto! Ufa, são seis e meia, hora de partir pra montanha.
Após seis dias de decepções em voo, por um misto de medo, cautela, prudência excessiva, falta de preparo físico e pavor pela condição meteorológica extrema desse ano (houve uma seca histórica e as térmicas e ventos estavam especialmente bons para o voo e proporcionalmente perigosos para quem não está no auge de suas habilidades).
Antes disso vou escrever algo que não agrada muito aos Agnósticos e Ateus ou incrédulos, mas como sou muito ligado à natureza e creio que Deus está em tudo e em todos, eu logo pela manhã dobrei meus joelhos ao chão e pedi a Deus um bom voo antes de ir embora pra casa. A força desse pedido me fez muito bem espiritualmente.
Então, parti para o último dia de minha tentativa em busca de meu recorde pessoal e de entrar para um seleto grupo de Campeões que já voaram distâncias acima de 300 km.
O dia estava nublado, mas como sempre essas nuvens não eram chuva e sim umidade vinda do mar e ao longo do dia se dispersariam.
Vários pilotos decolaram, entre eles eu voando de SOL TR2011 e a Japonesa Campeã Mundial, Seiko Fukuoka de Icepeak 6.
Como é muito difícil se manter voando no início da manha, onde as térmicas são fracas e as descendentes fortes, tentamos voar em grupos. Mas essa tentativa muitas vezes é frustrada pela difícil missão de ficar juntos num lugar de vento forte e rotores.
Após um voo muito trabalhoso de 30 km, ficamos apenas eu e a Japonesa Seiko em voo. As condições melhoraram bastante e passamos a voar mais rápido e subir mais alto.
Todavia eu era cauteloso na escolha da rota e a todo tempo conversava no rádio com meu “anjo da guarda em solo”, o Paulo Casca, que me tranquilizava dizendo que estava me monitorando online pela internet via SPOT e que eu estava na rota certa, e que também meu motorista de resgate estava perto caso acontecesse alguma emergência.
Seiko não estava nem aí pra nada disso, ela era focada e alucinada em seu Objetivo: bater o recorde Mundial Feminino.
Muitas vezes me usando de biruta, e muitas vezes subindo com o dobro da minha velocidade, fomos juntos. Ultrapassando quilômetro a quilômetro nossos objetivos conseguimos voar em grupo, ou melhor, em dupla, até o km 190. Quando ela tomou a maior fechada dos nossos dias. Sim são muitas depois do meio-dia. Ela caía parecendo em queda livre, quando seu Paraglider finalmente abriu próximo a mim. Gritei com ela algo em Inglês como: Fuck, fuck, fuck (risos). Melhor não traduzir (mais risos).
Daí pra frente senti que ela foi mais conservadora e ficava sempre mais alto que eu.
No km 250 aproximadamente eu fiquei muito baixo, em vias de abandonar o voo, mas ela foi para a Base da Nuvem e não havia mais como ela me esperar. Eu lentamente fui conseguindo sobreviver em voo e subir, quando ela partiu pro Recorde feminino, jogando em uma direção onde não era possível enxergar um pouso seguro num raio de 20 km.
Eu optei por ir na direção de Pedro II, o que depois percebi não ter sido uma sábia decisão, pois é a cidade mais verde e fria do Sertão, já no Estado do Piauí, considerada a Suíça Sertaneja por sua beleza e riqueza verde.
Um voo de oito horas e meia é quase como uma jornada de trabalho. Você precisa cumprir regras como: estar bem preparado fisicamente (eu não estava, inclusive só estive melhor graças ao meu Sponsor, a FISIOREMANSO), fazer xixi e beber água de duas em duas horas, além de comer as barras de cereal que te mantém concentrado. Eu não cumpri nenhuma dessas regras.
Meus dois amigos Mattew da Escócia e Arnold dos EUA haviam me alertado inúmeras vezes sobre esses cuidados, mas fui displicente.
No final pousei mesmo em Pedro II, cruzando a fronteira do Ceará com o Piauí e batendo meu recorde pessoal, com 280 km voados numa jornada inesquecível.
Foi difícil não chorar ao lembrar meu pedido de joelhos dobrado para Deus.
Difícil não me emocionar ao lembrar as dificuldades financeiras para estar ali. Do apoio que o Ary me deu ao me dar um reserva novo pra eu vender e levantar dinheiro. Do amigo Alex, ex-aluno meu e proprietário de uma casa de Shows famosa Internacionalmente, o Fazendinha Night Club, que no último dia sabendo que um outro apoio não havia dado certo me deu mais 500 reais do bolso e disse “vai lá e arrebenta”.
Difícil não lembrar que eu ia embora frustrado por não ter voado nada durante toda a semana.
Difícil não pensar como os artistas que retrataram o Sertão milhares de vezes em suas obras, e eu do meu jeito tento retratar esse pingo de história para vocês que tiveram paciência de ler até aqui.
Grande abraço a todos os amigos,
Carlos Boni – Brasil