PERIGO… Parapente/Paramotor na chuva!!!!

Nov 03, 2016 2 Comments by

Relato do piloto de paramotor Daniel Rodrigues do Rio de Janeiro.

No domingo (30-10-2016) Eu e um amigo de voo, Raony, decolamos do Farol de Sao Tome, RJ em direção ao Espirito Santos com a intenção de fazermos um voo longo, pois a previsão estava propicia e com ventos moderados empurrando até a Bahia.

Após uma hora de voo chegamos na enseada entre Sao Joao da Barra e Sao Francisco de Itabapoana, onde normalmente seguiríamos a linha da praia, mas tinha uma chuva leve no visual a partir do parque Eólico por toda aquela região e outra chuva no oceano, e no meio dessas chuvas tinha uma janela seca de uns 2km a 3km de largura, resolvemos passar por ela e fomos ganhando altura pra ficarmos no cone de segurança, Raony passou pela extensão voando na minha frente em torno de 500 metros de distancia e na altura entre 600 a 700 metros e eu passava mais alto, entre 900 a 1000 metros de altura.
Quando chegamos no meio da enseada sentimos uma leve garoa e conversando pelo radio Raony decidiu perder altura por conta do frio, eu continuei alto pois o frio não me incomodava e preferi ficar no cone de segurança com folga.

Apos alguns segundos senti uma freada brusca na minha asa, olhei pra ela e a vi totalmente molhada, encharcada, como se estivesse sido tirada de uma piscina, dai ela começou a ter reações bruscas como mergulhos muito fortes, pêndulos e entrou em giro, após um tempo pilotando ativamente ela voltou pra posição de voo normal e estabilizou mas estava parachutando, não seguia pra frente e sim para baixo com um taxa de descida elevada. Eu acelerava todo o motor e ele me lançava pra frente mas a asa não acompanhava.
Eu pensei em lançar o paraquedas reserva mas ainda tinha esperança que ela voltasse a voar e como estava sobre a agua decidi não joga-lo.
Nesse momento, tendo certeza de que caso a asa não se recuperasse eu iria pousar na agua imediatamente pensei em me livrar do tanque reserva de 22 litros que estava no meu colo e totalmente cheio, com instrumentos e câmeras nas suas laterais, após um tempo consegui soltar um dos lados e o joguei para o outro lado, quando a asa entrou novamente em giro, e nesses últimos momentos me concentrei em me desconectar da selete, soltei o peito, a barriga e inflei manualmente o colete de CO2 que estava no meu corpo e bati com forca na agua.

Afundei completamente e logo em seguida voltei a superfície, devagar com a cabeça pra cima, e mantive a calma me lembrando dos cursos e também dos papos com os amigos voadores e mergulhadores profissionais, que sempre nos instruíram para nessa situação manter a calma e evitar reações e movimentações bruscas e assim o fiz.
Soltei devagar as presilhas nas minhas pernas, e vi que as linhas do parapente estavam presas no meu capacete que foram fáceis de tirar e tinham linhas presas nos meus pés que precisei fazer muita força puxando a asa em minha direção, a asa estava semi inflada com as bocas para baixo e muito pesada, mas conseguiu me soltar e saindo completamente da selete mergulhei para a lateral e nadei por alguns metros para ter certeza de que nada estava preso ao meu corpo.

Vendo que estava livre de linhas ou qualquer outra coisa voltei nadando até o equipamento que estava flutuando, tirei meus tênis e os amarrei na estrutura, fiquei ali por um tempo, acredito uns 10 minutos e comecei a procurar por pontos de referencia a fim de identificar para onde a maré estava me levando, vi bem ao longe o parque eólico que inclusive tinham luzes piscando e vi também uma caixa d’agua em cima de uma torre que ficava em outra ponta da enseada, fiquei por um tempo com essas referencias fixadas no visual e pelo que percebi eu estava sendo levado para o alto mar, pois a cada minuto elas ficavam mais longe do meu visual.
O Mar estava muito agitado, com ondas entre 2 a 3 metros pois a ressaca estava em todo o litoral do RJ e SP. Eu numa tentativa de ter opções ao invés de ficar ali preso ao equipamento decidi fazer um teste nadando de costas em direção a Terra e após algumas braçadas vi que conseguia lentamente me distanciar do equipamento flutuando.

Voltei nadando novamente ao equipamento e pensei em tudo, a ficha nesse momento caiu. Eu estava a deriva sem comunicação entre 4km a 6km de distancia da terra, não consegui avisar o meu amigo pelo radio antes do ocorrido e o radio como molhou não funcionava, ninguém me viu pousando na agua, a maré me levava cada vez mais pra alto mar e ainda tinha as chuvas que poderiam se juntar e assim tornar a área sem visibilidade tanto para um resgate, quanto sem visibilidade para eu ver onde estava ou ia.
Sabia que se ficasse junto do equipamento flutuando teria mais chances de ser visto. Mas minha intuição me dizia para nadar em direção a terra, e essa foi minha decisão, antes de sair fui até o tanque reserva e me banhei com o máximo de gasolina que pude jogar no meu macacão a fim de criar um repelente para tubarões, nem sei se isso funciona mas ficava mais tranqüilo quando sentia o cheiro da gasolina. E assim o fiz, nadei por 4 horas sem parar em direção a terra, dava 100 braçadas fortes de costas me virava e descansava nadando cachorrinho e foi assim até a areia.
Apesar de nao ter entrado em desespero foram 4 horas de terror total, onde eu não tinha nenhuma certeza de que conseguiria sobreviver, ao contrario as chances de não conseguir eram muito maiores, rezava muito pedindo a Deus para não me deixar morrer ali, queria viver mais, ver minha filha, esposa, familiares a amigos novamente, tenho certeza de que o pensamento em vocês me ajudou a não ser dominado pelo desespero. Também tenho absoluta certeza de que sozinho eu não teria conseguido, meu Anjo da Guarda, Nossa Senhora e Jesus Cristo estavam comigo em todos os momentos.

Chegando na praia sai em cima de muitas pedras que cortaram de leve meus pés e mais a frente estava uma imagem de Jesus Cristo dentro d’agua, que fica em um pedestal, creio eu que seja uma homenagem ao Bom Jesus dos Navegantes, foi onde eu me ajoelhei, chorei e agradeci muito por estar vivo.

Encontrei um pescador que me socorreu imediatamente, andamos juntos por 1,5km onde encontramos casas de moradores que me deram agua e um banho, depois encontrei o Raony com nosso motorista e depois de um tempo começamos as buscas pelos equipamentos, nas buscas por terra encontramos um aeroclube onde imediatamente 2 pilotos decolaram com seus ultraleves, eu fui com um deles e não vimos nada pelas 2 horas em que voamos por toda a região.
No outro dia contatamos a associação dos pescadores e órgãos como o projeto Tamar que fazem rondas diárias na praias da região a fim de que se virem algo entrem em contato.

Não estou preocupado com a perda financeira, estou muito feliz e agradecido por estar vivo e praticamente sem nenhum arranhão, vou trabalhar duro e comprar tudo novamente, quando na agua decidi nadar em direção a praia ja tinha me despedido do equipamento, mas caso alguém saiba ou ache algo eu ofereço uma recompensa pela devolução, no caso de recupera-lo não vou voar ou muito menos vender, guardaria como lembrança e também a estrutura e demais itens servem para treinamentos de simulação em acidentes na agua e etc.

Minha maior intenção em fazer esse post é para alertar os amigos dos perigos que corremos em voo, vale a pena relembrar uma frase do Dean e que o Sylvestre me falou milhares de vezes ‘’O voo é algo magico, extraordinário, mas de uma hora pra outra pode se transformar num pesadelo, e quando isso acontece nunca é algo simples’’

Nunca em nenhuma hipótese voe na chuva, ou tentem passar por ela, na duvida pouse, aborte o voo. Nesse acidente eu não passei por uma chuva forte, eram chuviscos muito leves, acredito que a asa tenha pegado um bolsão de agua na nuvem ou algo similar. Ja voei em chuva pesada e nunca aconteceu nada antes, mas aqui fica meu alerta aos amigos!

Então amigos, minha dica é usar equipamentos bons e revisados sempre, todos os itens de segurança como paraquedas reserva, Spot (eu não tinha) flutuador na estrutura e no corpo, no meu caso se estivesse sem colete não estaria aqui, e façam os cursos com os bons profissionais que temos no mercado, pois fazem muita diferença, principalmente nessas horas.

Bons ventos e um forte abraço a todos do naufrago e vivo Daniel

Parapente

Sobre o Autor

Instrutor de Asa Delta | Parapente pela Confederação Brasileira de Voo Livre "CBVL" e Paramotor | Paratrike pela Confederação Brasileira de Paramotor "CBPM" | APPI PPG.
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