Praia… No Rio Grande do Sul por Alfio Junior
Em 28 de maio de 1996 comecei a voar e logo na minha primeira alta temporada (de novembro a janeiro), vi algumas ASAS DELTAS decolarem em Sapiranga-RS (perto do Natal) e irem voando até o litoral, coisa de +/- 95 km (até Capão da Canoa). Logo perguntei se de Parapente não podíamos voar até lá e vários me disseram que 95 km até a praia? Bem capaz! O recorde gaúcho era um pouco mais de 60 km e de paraca não rolaria até a praia, o vento muda, não fica W todo dia, quando chegar à Serra do Mar vai pegar vento de frente e ficar atrás das montanhas! Desde este dia iniciou a vontade de chegar à praia voando, vontade que foi tomando conta de todos os voadores de paraca do RS. Mais maduro, uns 4 anos depois comecei a ficar fixado na ideia de chegar na praia voando! Pois bem, neste feriado estávamos prontos para voltar de Tibagi-PR (na final do Sul Brasileiro) e vi alguns email na lista do RS falando que poderia ter chegado o dia. Que no dia seguinte, 2 de novembro, poderia ter a condição para este tão sonhado voo e se a meteorologia conspirasse poderíamos chegar na praia voando! Coloquei todos os instrumentos para carregar: filmadora, rádio com bateria nova, vario, GPS – tudo certo!! Só um detalhe faltava: convencer a esposa que depois de quatro dias voando, longe de casa e do filho, e mais de 1500 km de estrada ainda queria voar na terça-feira! Mas lá vamos nós… cisca, fala do tempo, do dia, da oportunidade, do sonho e mais um monte de blábláblá. Depois de muita negociação e conversas, autorização na mão e um recado: “Se é para ficar e voar, não prega ou desiste. Vê se chega lá”. Momento correria: pega tudo e sobe a rampa. Mas quando chegamos, demos de cara com o vento, mas muito vento mesmo. Tanto que algumas ASAS estavam desistindo de voar, as nuvens no céu sumindo e logo pensei “putz logo vi o filme! Mais um dia que não vai rolar”. Depois de uns 45 minutos de rampa, nos reunimos e olhamos alguns paracas voando e definimos, vamos tentar, ao menos tentar! Todos no ar, oito paracas, oito amigos, e o Go To rumo ao litoral. Fomos indo e o voo foi fazendo sua seleção natural – alguns caíram antes de Rolante, no quilômetro 40. Neste momento os sobreviventes do início do voo eram eu, Emilio, Fagundes, Carlos, Luciano Horn e Walter.A partir daí nos dividimos um pouco, pois foi onde o voo deu uma respirada. Logo quando entrou o ciclo quase todos se posicionaram, com exceção do Carlos que foi andando e gastando altura. Em seguida pegamos outra e ficamos novamente juntos, menos o Carlos que acabou ficando para trás! No momento seguinte estávamos alto chegando ao relevo depois de Rolante. Aí pintou uma euforia geral no pessoal, pois começávamos a pensar que poderia ser o dia! Lembro que falei no rádio “galera vamos voltar ao voo, nos concentrar, pois estamos eufóricos”. O Carlos atrás pegou uma boa e o Emílio gritou para o irmão “borá manda bala e vamos lá conosco.” Infelizmente, mais uma seleção natural e em uma aposta no fundo do vale, o Emílio e Fagundes acabaram pousando (realmente tudo dizia que a termal estaria lá!). O Walter mais a direita no aberto também! O Carlos estava muito alto vindo, enquanto que eu e Luciano apostamos na convergência do relevo com o vento de Sul. Só que o Horn foi ao chão (chão mesmo!!) em uma ilha no meio do arroz (deve ter arroz na selete pois ficou muito baixo) e eu fui para a convergência voltando um pouco para uma concha no relevo! Peguei forte + 5 m/s depois do km 60 e comecei a tremer, pois começava a pintar a praia. Será? O grande dia tinha chegado? Nos juntamos eu e o Carlos e fomos andando e uns 10 km depois peguei outra térmica boa. Como o Carlos não estava igual, onde acabei ficando mais alto e paralelo a isso o Horn veio pulando os vales e morros pegando como referencial as térmicas que estávamos pegando – e isso é uma coisa de equipe-união, coisa do voo livre, quando o que está melhor naquele momento ajuda o que está pior! Quando a térmica foi acabando observei que estávamos alinhados com o Morro Alto e Capão da Canoa e falei para os dois “estamos na proa!! Podem tocar que o relevo abre antes da Serra do Mar e tem pouso atrás dela!” Comecei a tirar e pensei que estava indo meio sozinho naquele momento e não podia errar por dois motivos: “estou mais alto e tenho que acertar para indicar a rota para quem estava mais baixo e se eu cair fud…..” Foi chegando a Serra e como meu LD estava muito bom resolvi cruzar a BR101 e jogar na deriva de um arado gigante na frente do Morro Alto. No rádio, escutava o Horn falar: “uhm.. não sei se consigo pegar a Serra.” Nossa a térmica estava lá e fui derivando para o Morro Alto (conhecida Pinguela) e no rádio o Carlos vibrando por descer a Serra e o Horn falando “passei, passei”! Showwww… agora vamos todos fazer um lift no Morro e praia! Pena que em seguida encontramos muito vento, tanto que o meu vário apontava 33 km/h e com isso o Carlos não conseguiu chegar no Morro pousando depois da BR101, ao lado dos novos túneis estrada e já no litoral! A deriva me levava para uma lagoa média e depois levaria para uma grande. Foi uma situação bem crítica porque desta forma poderíamos ter problemas. Para evitar esta rota, contornei o Morro Alto, e em uma térmica franca fui derivando para cima da lagoa e quando estava no meio dela, avistei o Horn vindo! Como estava na bolha, ele jogou direto para o meio da água onde uns 200 m antes pegou uma bolha melhor. Ali nos juntamos na mesma térmica…deriva…deriva…acabou a térmica para ele e logo depois para mim! Trocamos uma ideia e ele falou “eu vou, mas acho que não chego”. Eu sabia que a distância seria de uns 93 ou 94 km e quando olhei no GPS vi que faltava pouco menos de 10 km (estava um pouco mais de 1100 metros). O vento lateral nos levaria para a água ou para o Centro de Capão da Canoa. Não hesitei e logo soltei o trimer e fui acelerando direto para a praia. Eu sabia que quanto mais baixo, mais vento teria e estávamos muito perto do sonho… Em seguida o Horn me perguntou: “está andando a quanto para a praia?” Respondi que estava acelerado, a 70 km/h e ele comentou que estava a 57 km/h provavelmente em outra camada. Aí sim, por nada que eu tiraria o pé do acelerador até ter certeza que chegaria ao mar. Quanto passei a Estrada do mar a mais de 700 comecei a relaxar. No rádio escutei o Horn falar: “você já chegou!! Eu não vou chegar”… Naquela hora eu desliguei de tudo e de todos. Só queria curtir o momento e a realização de um sonho que começou lá no verão de 1996. Foram 14 anos estudando o relevo a cada ida para a praia, pensando e sonhando em pousar na areia da praia. Dei uma volta na praia ainda voando e já voltando em direção a plataforma em Atlântida, o Horn me chama no rádio e pergunta: “Alfio, qual a frase do Márcio Pinto begin_of_the_skype_highlighting end_of_the_skype_highlighting? (um amigo do Rio de Janeiro e grande voador!). Na hora respondi a mesma frase que falei para o Horn antes de decolarmos em Sapiranga naquele dia “A HISTÓRIA NÃO LEMBRA DOS COVARDES”. Nesta hora, ele surge chegando na praia, por cima das casas, pulando de telhado em telhado e só deu tempo de chegar na praia, fazer uma curva e pousar. Um louco, mas que mereceu sentir o cheiro do mar comigo. Parceiro de 14 anos de voo e de histórias. Claro que depois liguei para a patroa dizendo que não tinha pregado e que levaria uma areia da praia pra ela… Para completar o dia histórico, resgate nota 10 do Jarbas e da sua esposa Sinara. Estou chegando no Bali Hai para encontrar o Horn e em seguida eles chegaram já com o Carlos resgatado. Estávamos, novamente, todos juntos. Na hora lembrei da promessa que se chegasse na praia, ia brindar com os amigos com um camarão e várias Bohemias geladas. Valeu por tudo! Isso não tem preço, não mesmo!
Abs
Alfio Jr. Sargento